sexta-feira, março 18, 2005

ERA GLACIAL

Campos eletromagnéticos e monóxido de carbono, os equinócios trocam de lugar. Gasolina aditivada, ultravioleta e raios-x. Frequências de hermetismo craniano. Volts. Watts. Átomos se dividindo incessantemente. Explosões. Protozoários intracelulares hermafroditas envolvidos em modelos de infecção. Enzima ativada, uma proteíno-quinase local que, por sua vez, causaria a fosforilação de múltiplas outras enzimas intracelulares. Parassimpático, androceu, ginoceu. Microprótons e azia. Olá. É duro acordar de um coma, não, Benjamin?
Hmm...realmente não quero falar sobre isso agora.

Ela trabalhava compenetrada. Eu entraria, juro, numa guerra pelo ângulo dos seios dela. Valia a pena morrer por seu ombro, sutiã, até o peso escorregando até o bico, tão secreto para mim quanto o gosto de açúcar que esperava encontrar no primeiro seio que chupei. Loira com cara de farsante. Nariguda como eu gosto. Busto de garrafa.

Antes do coma eu costumava passar a tarde na biblioteca pública. Via uma garota. Desenhava-a nua num segundo e entregava meus garranchos, cultivando algum tipo de esperança demente que um dia fosse receber sexo em troca de sinceridade. Mas isso mudou. A última que sorriu-me e aceitou uma cerveja ganhou um dedo de presente que cortei no bar em público pra provar que amava. Mas, não, não, isso tudo mudou. As garotas nunca entenderam a dimensão do meu desejo. Poucas provaram do rosto por debaixo da barba pesada e negra que carrego desde os treze. A maioria prostitutas.

Como podia uma moça dessa sair do serviço tão despercebida, andar pela rua sem que nenhuma banda toque metais em seu nome? Como poderia o ar escurecer?
Ela entra em seu carro e eu corto caminho pelo mercadinho carrego o desenho em minhas mãos. O carro pára no sinaleiro. O pivete tem no máximo sete anos, havainas, sujo até o pescoço larga o malabares na esquina e aproveita que ela está sozinha pra se aproximar. Ela começa a fechar o vidro e ele segura com a mão: Me dá um dinheiros tia.
Desculpa, não tenho.
Então me dá o relógio.
Não estou usando relógio, não tenho- ela mostra o pulso vazio.
Então me dá a bolsa.
Você não tá vendo que não tenho nada? Não estou com bolsa.
Então me dá um beijo.

quinta-feira, março 17, 2005

UM CÃO E SEU DONO

Esse conto vai em homenagem a meu amigo e escritor favorito Eder Saragiotto Rodrigues, e se você não conhece "um cão e seu dono" original, que foi escrita por ele, só posso ter pena de você.

Sei que a vida não é fácil pra ninguém, e eu nem estou reclamando, entende? Cada dia que acordo vejo o sol nascendo e agradeço por ter trabalho e por estar viva, sabe? Mas eu gostaria de ter os finais de semana livre. Sempre olhando através do vidro para parques que nem sei se existem realmente. Mas a vida é assim, não se pode fugir das responsabilidades. Eu sou professora de auto escola e cobro vinte dinheiros hora aula. Meu nome é Marlene e encaro minha foto de trinta anos atrás todos os dias, em cima do carro enquanto ensino. Não costumo me olhar no espelho.

Algo pior que minha idade provocaria-me taquicardia. Meu cão, Fébos, um grande lavrador misturado tornou-se meu companheiro e marido com o passar dos solitários e inseguros anos. Alimentei-o com as melhores carnes e dormia abraçada a ele todas as noites. Assim substituíra toda a vida que nunca poderia ter por uma vida alternativa de cuidados.
Porém Fébos atacou o cão da vizinha certa vez e ao tentar separá-los, grudou em meus braços.

Destroçando nervos e fazendo estrago. Gritei até que desmaiasse e ao acordar no hospital minha irmã retrucava a velha história do eu sempre avisei que.
Como vamos nos livrar desse cão, canil, matar, coisas assim. Eu a princípio cogitei alguma dessas possibilidades, mas logo percebi que me enganava. Fébos era meu destino. Minha única vida.

Voltamos à nossa vida normal e então meses depois Fébos, sem motivo aparente atacou-me enquanto eu dormia na sala os cinco minutos do almoço. Dessa vez atacou-me o rosto. Destruiu cada possibilidade de sorriso que eu guardara para ele.
No hospital dessa vez minha irmã decidira não me visitar. Ela não aguentaria olhar para o meu rosto, ver-me cega de um olho. Eu entendi o ponto dela. Ela tinha dito pra eu me livrar do cachorro. Passaram-se meses e eu pagara o preço pela minha teimosia.
E então voltando para casa, vendo meu cão abanar o rabo para mim o que eu poderia dizer, caso alguém perguntasse, é que um cão precisa de um dono.

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