sábado, julho 23, 2005

COMO NA QUINTA SÉRIE

Então cheira aqui. Apontando a mão para cima de forma convexa na sua direção. Os indicador e o anelar protuberando.(os dedos que estariam cheirando caso eles tivessem realmente dispensado alguma coisa). O soldado Matias olhou para seus companheiros que nesse momento eram representados apenas por fachos de luz finos e potentes. Ele não podia ver a expressão deles.

Mas fazia apenas uma semana que tinha integrado a FERRO, A força especial das rodovias de Roraima, e era sua primeira saída noturna com seus novos companheiros. Há muito tempo ele era do tipo tronquinho e de falar pouco, e sua disciplina fez com que fosse promovido facilmente, mesmo sem ter terminado o primeiro grau, aqui estava, em outro estado, muito longe da sua mãe e de suas irmãs, ganhando um troco muito bom para sentar a mão em garotos fora de rota.

E hoje, havia se preparado tanto, saiu de casa sem se masturbar, vieram de furgão, segurando suas metralhadoras até a ruína de frente pro mar. ponto escuro que só a lua ilumina, pegar garotos romantizando a lua e ingerindo substâncias ilícitas, com esperanças que ainda essa noite viriam a transar com alguma dessas garotas que trouxeram pra cá, que conheceram por aí perguntando e aí quer fumar um? e que nem mesmo conseguem perceber o rosto nessa escuridão. Pegá-los no ápice dessa esperança, andando na ponta das duras botas, com as lanternas apagadas, pensando na frase chavão a la Chuck Norris que ia gritar quando apontasse a lanterna prà molecada.

Mas o pior é que os garotos não estavam fumando nada a não ser tabaco. Matias por ser novo no grupo achou que ele devia dar o prensão e se não levá-los em cana, pelo menos apavorá-los, mostrar quem manda, essas coisas. Chegou perto do garoto da ponta, com olhos calmos, olhando pro mar. Matias iluminou o rosto dele violentamente com a lanterna, como quem faz exame ginecológico nos olhos e falou em tom médio dispensaram né?

Claro que não, senhor, não fumamos nada, estamos só aqui, nós cinco, olhando o mar. Matias olhou pro mar, uns dez metros logo abaixo procurando por alguma luz ou fumaça e se sentiu estúpido; água, fogo, o álibi perfeito. Não é melhor admitir de uma vez? Segurou forte sua metralhadora, já sem argumentos preparava-se para ir embora, mas o garoto da ponta o chamou O senhor acha que a gente estava fumando alguma coisa? Então cheira meus dedos, ó.

Matias assustou-se com a idéia, um contato quase erótico de sentir o cheiro do corpo do garoto tão de perto em frente a seus amigos soldados. Porém, estava também avexado pela cena vista de longe pelos colegas, o garoto com a mão erguida em sua direção. Pensou que se fosse mesmo Chuck norris explodia a mão dele com a metralhadora e ia embora, ou melhor, acabava com todos os garotos, sem deixar testemunha e jogava todos no mar.

Matias aproximou-se. Uma cheirada, tem razão e vamos embora. Mas ao aproximar-se o garoto de pernas magrelas ENFIOU-LHE UM TAPÃO NA CARA. Meu Deus. Meu Deus. Será que ele não sabe o que isso significa? Dar um tapão na cara de um policial, NÃO, de um soldado da FERRO em frente a vários de seus companheiros, todos devidamente armados com metralhadoras, ansiedade e as piores intenções, com limites razoáveis colocados só para uma certa economia de ódio????

Matias inflou-se e além da marca vermelha de mão na cara avermelhou-se inteiro. Não podia ver seus companheiros, mas como na quinta série que não terminou, pensou que todos deviam olhá-lo com aquele olhar de o que você vai fazer agora. E ele devia rapidamente tomar uma atitude. E ele esperou que algum deles a tomasse por ele. O que não aconteceu. Imaginou no escuro os olhares espantados de seus colegas que ainda não o conheciam. E como não podia mesmo ver, imaginou que talvez alguns, talvez todos eles riam, ou pelos sorriam, achavam engraçado a situação. Como garotos de quinta série, cercavam-no gritando palavras de ódio, querendo que ele participasse da selva, erguesse seus punhos e defendesse sua honra, por mais simulado e toscos que conseguem ser os motivos nas nossas quintas séries. Eles queriam o sangue ou a vergonha. E a vida ensina que a vergonha nunca. Nunca é apagada. Assim como o medo.

Matias gaguejou. Tentou falar, ficou completamente sem graça. Como se entregue. Matias queria deitar no chão. Ele segurava as lágrimas e tinha vontade de pedir desculpas aos garotos. Só pobres garotos olhando o mar. Ele ergueu sua metralhadora, segurou o gatilho firmemente e apontou para a cabeça do garoto e as lágrimas vinham pela boca SEU FILHO DA PUTA DESGRAÇADO EU VOU ACABAR CO A TUA VIDA SEU
Mas ele não atirava. Será que poderia atirar? Será que se livraria dessa? Matar alguém desarmado a sangue frio, ainda mais um garoto. O que sua mãe lá nos baixos trópicos iria pensar? Mô fio Matiazinha, ave, eli não, eli não, sinhô. Eli num faria dessa. Mou fio entrô pa pulíça pajudá ozotro. Pájudá, sinhô. Elié du beim.

PORQUE VOCÊ FEZ ISSO? FALA ANTES QUE EU TE MATO.
Não vou dizer.
Matias inflou-se ainda mais. Mesmo com uma arma apontando ele ainda encontrava-se em posição inferior ao que o garoto reles apenas olhava o mar com costas arqueadas e pernas balançando ao vento, na beirada.

Então resolveram levar o garoto junto com eles. Matias pensou, chegando lá a galera acaba com ele. Livro a minha reputação com méritos. Não dá pra surrar ou matar em público. Levando com a gente, fica tudo certo, damos sumiço no corpo e fica tudo legal. Os colegas vão me dar respeito. Tem que ter sangue frio pra esperar passar a raiva e matar o cara na delegacia, e depois, ISSO, mijar na carcaça dele, hahaha.

O delegado olhou pro garoto. É de menor, o que ele fez? Os soldados ficaram quietos, esperavam que Matias explicasse a história, para não envergonhá-lo. Mas inútil. Matias avermelhou-se de novo e disse meio baixo ele me deu um tapa. Te deu um tapa??? Como assim??? Eu me abaixei pra, ele me deu um tapa, a gente trouxe ele. Deu um tapa??? Putz que pariu. Garoto, você pirou né? Diga pra mim que você pirou. Cê tá chapado pra caralho né filho? Você deu um tapa na cara de um soldado da FERRO?? Você sabe o que esses caras fazem pra se tornar soldado da FERRO? Passam por um treinamento dos mais puxados. Aprendem a comer cobra, insetos, isso tudo pra correr gelo nas veias desses caras. O que que você tomou? O coração desses caras é um freezer. Eles são os cavaleiros do apocalipse. Eles são erva daninha pura. Esses caras não tem família. Eles são feitos, manufaturados pra ser de forma controlada a violência, o enfrentamento, a coragem em pessoa.

E sabe que ninguém sentiria a falta de um garoto de merda que fica fumando maconha pelas rodovias?
Sentiriam sim. Meu pai.

Matias pensou nesse momento filho da puta, agora tudo faz sentido. Um filhinho de papai de merda, que acha que a grana dele, que o nome do pai dele vai fazer diferença nesse momento. Que acha que realmente o delegado não vai triturar a cara dele, hah, se não vai.

E quem é seu pai?
Chamou o delegado pra perto. Matias lembrou da cena do tapão.
Mas não. Sussurrou no ouvido do delegado alguma coisa.
O delegado olhou espantado para o garoto e então para Matias.
O que ele disse??
Ele falou que é o filho de Deus, o próximo que todos estão esperando.

Matias quase borrou as calças de ódio. Pensou filho da puta filho da puta filho da puta. O delegado colocou a mão no queixo. Matias e aí pessoal vamos acabar com esse filho da puta porque agora ele passou do limite mesmo, ele tá zoando feio com a nossa cara. Fi- lho- da- pu- ta. Apontando pra cara do garoto (sereno)

O Delegado falou então faz aí o que tu quiser Matias, foi contigo que ele zoou, é todo seu. E afastaram-se todos como nas rodinhas de quinta série. A última série que ele frequeentou. Matias desenhava e gostava de música. Mas depois da quinta série ele achou que devia ficar forte. Então Matias tornou-se uma rocha. Ele virou um dos garotos mais temidos do bairro e não tinha medo de ninguém. Ele transou duas vezes quando jovem. Duas loiras muitíssimo gostosas do seu bairro, que na verdade eram negras. Ele comeu elas com violência. Principalmente o cu. Muito. Ele enfiou-se como quem quer passar a agulha pelo buraco do fio e gozou, encheu as pobres garotas com toda a porra quente do mundo. Ele atirou pela primeira vez na perna de um merda que estava junto com vários outros merdas nos últimos bancos do ônibus com a cabeça pra fora gritando merdas de time. Atirou só de zoação e sabia que cresceria no emprego se fosse um merda fodão. Se obedecesse e fosse duro como aço. Sem arrependimentos. Seus colegas o cercaram e o garoto, tão menor magrelo, em frente a ele, risadinhas e sussurros. Seria tão fácil quebrá-lo ao meio. Só um garotinho pequeno que fez a coisa errada com o cara errado. A lei estava do seu lado, Por que Matias, como tantos outros era a lei. E a lei nunca perdoa. Isso é imutável. Medo e vergonha.
Matias olhou o garoto nos olhos, olhos serenos ainda, como podia ser? Não tinha medo esse garoto? O que dizer da vergonha? Matias tenso, completamente. Uma rocha. Ele apertou a mão. Esse era o momento. Ele devia destruir. Como comer cobra. Destruir. Mas então pensou em sua mãe, e suas irmãs, e como gostaria de voltar para seu bairro, e jogar bola, e desenhar, ser aquele garoto que mora ao lado e que espera pra se apaixonar. Pensou que queria uma família, uma esposa. Queria ter esperança. Ele podia voltar a estudar. Trabalhar em algo pequeno, perto de casa, juntando um dinheirinho e tendo seus amigos para um churrasco em finais de semana. Futebolinha e os seus garotos, tendo tanto sucesso, sendo importantes. Os pequeninos abraçando sua mãe que olharia para Matias com tanto orgulho. Porque ele tinha vencido. Apesar de tudo Matias tinha vencido. Ele era um cara comum. Mas Matias tinha vencido.

O delegado percebeu a pequena lágrima que aflorava em Matias e acertou o primeiro golpe. O garoto caiu ao chão e os outros policiais o chutaram. Matias ouviu a traquéia quebrar com o pisão que Gonçalves deu. O crânio afundou do lado esquerdo. Onde o chute de Sálvio pegou com a ponta da bota. As substâncias internas balançavam de um lado a outro tentando encontrar onde se alojar, mas não podiam porque o pequeno corpo era destruído em todas as direções e sacolejando por dentro só encontravam paz em sair e tornar-se parte do chão de concreto rugoso. Os soldados finalizaram a sinfonia atirando, numa formação em círculo, com suas metralhadoras ao centro, onde encontrava-se o corpo já quase inexistente, sem parar, cada um gastou pelo menos dois ou três cartuchosRATATATATATATATATATATATATATA
TATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATA
O som ensurdecedor de doze metralhadoras ao mesmo tempo sem parar. Violentamente ao centro. Despedaçando, atirando em quase sangue puro. Destruindo todo e qualquer vestígio. Atiravam atiravam e riam, Deus, como riam. Matias manteve-se fora da roda apenas observando. Chorando copiosamente, porém sem mover um músculo, tomado pelo medo e pela vergonha. Os policiais continuaram a atirar por ainda muito tempo. Quando a fumaça subiu e a sala tornou-se semelhante a uma grande fornalha do inferno decidiram que já era hora de parar.

5 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Ela anda devagar e cada passo é como uma pequena fisgada: calos novos do sapato com salto agulha e nenhuma leveza que ela gostaria de ter adquirido com as aulas de dança. Todo o peso do mundo pendurado na sua sacola de couro sintético e o rock infernal das bocas noturnas infernizam tanto ou mais quanto um falatório materno após aquele porre fenomenal as quinze anos. As putas na calçada olham torto: não aceitam concorrência. Os michês não se eriçam, nenhuma mulher procura "companhia" sem estar motorizada. Uma pedra solta no calçamento, uma maldita pedra solta e putaqueopariu e um chute perfeito no ângulo, direto na porta de um boteco acertando um bêbado desmaiado ali por perto. Exatamente como na quinta série.

10:18 PM  
Anonymous Anônimo said...

putamerda ...!!!

1:52 PM  
Blogger vrmart said...

oh la vie!!!

que os demônios digam amém!
que os anjos digam foda-se!
eu digo: oh la vie!...

12:23 PM  
Anonymous Anônimo said...

muito bom seu blog. mesmo.

2:19 PM  
Anonymous Anônimo said...

como na quinta serie... só que pior

2:00 PM  

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