quinta-feira, novembro 02, 2006

a decisão

Ela tinha hábitos regulares como por exemplo levantar a perna esquerda até um ângulo de no máximo 30 graus e tentar mover telecinéticamente o dedão ao redor da lua no pôster na parede, e ela quebrava o pulso enquanto fumava. Ela também tomava café com SPEAKERS nos ouvidos. Enquanto comia gema de ovo.

Ela estava no ponto de ônibus e ele chegou com o seguinte argumento: você pode pagar o ônibus pra mim? Eu só tenho uma nota de 50, se você pagar pra mim eu te dou ela e depois busco na sua casa. Ela aceitou, um pouco meio assim, mas querendo ser gentil, era o jeito dela, inevitável. No ônibus pra não ter que conversar com ele, ela colocou os SPEAKERS no ouvido e mordeu metade do chícle. No ponto dele estava chovendo, ele desceu correndo deu um tchau com a mão. Ela pensou: meu deus, um estranho vai na minha casa, ele tem o endereço, o telefone, fui correta? Olhou para a nota de dinheiro tentando adivinhar que tipo de pessoa ele era.

E seria interessante saber quanto tempo se passou até que um certo dia, ao chegar em casa após o serviço, ela encontrou-o em uma das pontezinhas internas que ligavam um lado ao outro do condomínio. Tão bem penteado, com sua roupa arrumada, como se tivesse sido passada naquele momento, cheirando ainda a lavada. Ele disse: estou apenas visitando, e ela pôde notar que uma chave idêntica à sua encontrava-se nas mãos dele.

E ela então, confusa, acabou por convidá-lo a entrar apesar do choque que acabara de sentir ao rapidamente ter tantas coisas rondando de modo imediato ( ela não era boa com decisões, nunca tinha sido) pedindo para unir-se em alguma questão primordial. Ele tomava o café como se não tivesse ou não quisesse dizer algo. Ela fingiu não perceber e começou a notar os seus cílios grossos, quase femininos, no meio daquele rosto de pele calma porém grossa como deve ser a de um homem. os traços em suas mãos. Mãos com veias tão pesadas quanto tubulações e trens-fantasma, lembrou de seu vô trabalhando, forte como porra de touro...Ela sorriu envergonhada de sua excitação quase que filial.

Ele então disse adeus enquanto ela dormia, saiu pela porta pela manhã azulada. E dividiu-se em dois, exatamente iguais com jaquetas iguais e o cabelo penteado iguais. Colocou seu capacete, os SPEAKERS dela. E contemplou sua criação, a alvorada mais incrível que se viu nos últimos dois anos.

Acessos: