segunda-feira, abril 25, 2005

NICOLA

Ele não sabia por qual razão se sentia na obrigação de perguntar alguma coisa, mas língua solta, pouca bosta, sempre, eternamente paranóico deixou sair qualquer porcaria só pra avançar um passo em direção ao próximo segundo.
Nicola corria, mordia o próprio rabo, derrubou o colchão que estava encostado na parede, que por sua vez derrubou o livro do Almodóvar. Ele pulava de costas, corria pra cá, pra lá, incansável. Armário. Geladeira. Ele é pequeno. “Um filhote. E nunca saiu da kitnet.”
Ela trouxe então a xícara de café e ele esteve perto o bastante pra, enfim ver, a pele dela com clareza. Ele estava definitivamente apaixonado. Dentro dos olhos dela estava algo tão indefinível que ele nem acreditava que existisse. Dentro dos olhos dela habitava o inevitável.
O gato corria, pulava, se jogava, rasgava coisas. “Nunca o vi tão agitado” Nesse momento ela se senta ao lado dele na cadeira e olha. O tempo pára. Essa não é a cidade dele. Esse não é o mundo que ele conhece. Mas ao mesmo tempo é algo que o pertence. Sua mão pára. Um motorista de ônibus suspira cansado. Sua rota terminou. O gato aumenta a velocidade.
Ela e o carinha ficam um tempo se olhando até perceberem o que estão fazendo. Nessa noite eles não se beijam e não transam. Eles só dormem juntos. Como à moda antiga quando seus bisavós esperavam um ano sem se tocar.
À noite, enquanto ele dorme, Nicola aproxima-se como um tigre, e como um, agarra a garganta do rapazote. Que acorda, e se vê sendo estrangulado por um gato ainda filhote, que o fita, como um tigre de tantos metros que é dono de tudo que existe. O rapaz não consegue fazer com que o gato o largue e não consegue emitir nenhum som por ter suas cordas vocais sendo trituradas pela pressão. Sem ar, ele finalmente perde todas as forças e morre. O gato espera ainda um tempo, sem nenhuma gota de sangue e enfim larga. Aninha-se sobre as cobertas de sua dona e dorme.
Quando ela acorda sua alma gêmea está ao seu lado, morta.

quarta-feira, abril 13, 2005

GAROTOS DE ÓCULOS DE ARO GROSSO

Eram anos interessantes aqueles dos jogos de bocha e crianças marcadas pelas sombras das grades dos portões da minha casa.
-Mamãe, O shopping center é praticamente isolado do resto da cidade, não? Aqui dentro tem regras próprias como não fumar ou não filmar. Ninguém nunca viu alguém de dentro de um shopping sem ter estado lá dentro. É como uma caverna isolada do resto do mundo. Um lugar onde pessoas ricas passeiam. É como o Vaticano no meio de Roma não?

O cinzeiro em cima do Joyce e Houaiss fica do tamanho exato da banheira. Ajustadamente propício.
Hoje não rola nunca mais.

Longe daqui ele sentado no vaso aperta com os dedos do pé o tapete. Cospe. Uma veia saltatita no pescoço. Ele força, seu estômago de pedra calcária. Seu ânus se abre como um grito de animal e um enorme monstro negro salta à latrina. Ainda metade dentro. Força. Nada de cortar na metade. Dói. muito. Finalmente.
descansa intrépido. Vê pequenas luzes trafegarem como que papel manteiga. outro universo. Bem bonitinho. Momento terno.

Teve aquela época, em que ninguém era gay. Ele se deixava encoxar jogando futebol com pinha na saída. Sempre brigava com o mesmo moleque. E imaginava o pau mole e branquiça dele endurecendo entre seus dentes.

E então a maconha. Os grooves. Os samples. Os synth. Os delay e tunts-tunts.
O delegado o encarava com cara feia de bigode. Ele calmamente abaixa-lhe as calças e chupa-lhe engatinha encarecidamente. Logo libertará o rapazote. Posse de um fino nunca deixou ninguém na cadeia mais que uma noite. Tudo depende do bom gosto. Este rapaz é muito cheiroso.

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