quinta-feira, junho 14, 2007

uma sala em uma caixa.

***

Não consegui ninguém para ir comigo. Bem, eu sou o tipo de pessoa que vai direto ao assunto:
Antevejo-me então naquela sala branca e quadrada de quinas envaidecidas.
Pequenas frestas minúsculas se abrem e delas começam a emergir
minúsculas formigas pretas em pequeninas filas indianas com duas colunas,
tão organizadas quanto pode ser a simetria em movimento:
24 quadros por segundo.
Lembro da teoria dos fractais e de outras coisas mínimas.
Enfim, a sala branca logo é uma sala preta.

***

quinta-feira, novembro 02, 2006

a decisão

Ela tinha hábitos regulares como por exemplo levantar a perna esquerda até um ângulo de no máximo 30 graus e tentar mover telecinéticamente o dedão ao redor da lua no pôster na parede, e ela quebrava o pulso enquanto fumava. Ela também tomava café com SPEAKERS nos ouvidos. Enquanto comia gema de ovo.

Ela estava no ponto de ônibus e ele chegou com o seguinte argumento: você pode pagar o ônibus pra mim? Eu só tenho uma nota de 50, se você pagar pra mim eu te dou ela e depois busco na sua casa. Ela aceitou, um pouco meio assim, mas querendo ser gentil, era o jeito dela, inevitável. No ônibus pra não ter que conversar com ele, ela colocou os SPEAKERS no ouvido e mordeu metade do chícle. No ponto dele estava chovendo, ele desceu correndo deu um tchau com a mão. Ela pensou: meu deus, um estranho vai na minha casa, ele tem o endereço, o telefone, fui correta? Olhou para a nota de dinheiro tentando adivinhar que tipo de pessoa ele era.

E seria interessante saber quanto tempo se passou até que um certo dia, ao chegar em casa após o serviço, ela encontrou-o em uma das pontezinhas internas que ligavam um lado ao outro do condomínio. Tão bem penteado, com sua roupa arrumada, como se tivesse sido passada naquele momento, cheirando ainda a lavada. Ele disse: estou apenas visitando, e ela pôde notar que uma chave idêntica à sua encontrava-se nas mãos dele.

E ela então, confusa, acabou por convidá-lo a entrar apesar do choque que acabara de sentir ao rapidamente ter tantas coisas rondando de modo imediato ( ela não era boa com decisões, nunca tinha sido) pedindo para unir-se em alguma questão primordial. Ele tomava o café como se não tivesse ou não quisesse dizer algo. Ela fingiu não perceber e começou a notar os seus cílios grossos, quase femininos, no meio daquele rosto de pele calma porém grossa como deve ser a de um homem. os traços em suas mãos. Mãos com veias tão pesadas quanto tubulações e trens-fantasma, lembrou de seu vô trabalhando, forte como porra de touro...Ela sorriu envergonhada de sua excitação quase que filial.

Ele então disse adeus enquanto ela dormia, saiu pela porta pela manhã azulada. E dividiu-se em dois, exatamente iguais com jaquetas iguais e o cabelo penteado iguais. Colocou seu capacete, os SPEAKERS dela. E contemplou sua criação, a alvorada mais incrível que se viu nos últimos dois anos.

domingo, outubro 22, 2006

O BURACO DO SOFÁ POR ONDE PASSAM OS GATOS

Nunca fui bom em juntar palavras, termos, adjetivos, sinônimos.Em busca de uma lista consigo juntar em uma hora cerca de dois das mais simplórias.A abstração pra mim é uma luta.Assim, é difícil pra mim criar. Muito mais possível é analisar ou compilar, recolher.Posso colocar, nesse momento, que sou esse tipo de pessoa. Mas não tenho vergonha disso.Os grupos que servem para organizar nossas impressões abrigam também conjuntos vazios, e/ou opacos.O que pode causar certa confusão, ou não, se mancomunarmos todos juntos que os números são a abstração máxima de todas as coisas. Mas isso não me incomoda. Me incomoda não ter uma namorada.........

sexta-feira, fevereiro 10, 2006

A Espera

Bem naquele período entre a madrugada e a manhã que tem cor amarelo ovo eu quase fechava os olhos.
Dirigindo devagar.
Poucos carros e de repente a rua ficou completamente vazia.
Só folhas das árvores nas calçadas, agora bege por causa da época, caindo no caminho. E em frente o azul, o lado oposto dos prédios.
Os pássaros começam a cantar, alguns animais vêem isso como um sinal para acordar, alguns estão indo dormir agora. Mas o fato é que algo terminou e todos sabem disso. O desespero do amanhecer. A redundância do terminar.

Ela está encostada em poste. Loira, mas não do tipo saltitante. Cabelo curto. Corte reto na altura da nuca. Jaquetinha jeans. Pequenina e de óculos.

Quer carona?

...
...
...
...
É. Você mora por aqui?
Não.
Sei.
...
...
...
Hmmm...o carro é um lugar incômodo?
Claro que não.
...
...
...(dirigindo.)
E...como começamos?
Não sei. Acho que já começou.
Claro. Mas é que tenho um pouco de pressa.Trabalho amanhã, aliás...hoje. Daqui a pouco.
O que quer dizer? Quer tomar um café?
C-Claro, pode ser.
M- mas, eu, só quero dizer, sobre o serviço.
Serviço? Meu serviço? Sou garçonete na rua 15.
De dia?
De dia.
...
...
Ah, entendi. Você achou que eu era uma prostituta.
........... Não. Não.........? ............Desculpe........
Bem....obrigado.
.... Acha isso bom?
Não é fácil ser uma prostituta...
Mas se você estava ali...não passa ônibus naquela rua. O que estava esperando?

terça-feira, fevereiro 07, 2006

domingo.

Não teve chance. Não teve a mínima chance. Ele tinha 7 anos de idade e ela 30. Ele estava na quarta série e ela tinha vários filhos maiores que ele.E um de infância. Mas nunca o tocara.

Seu tórax se estiçalhou como vidro entre o mais leve e cuidadoso toque que os seus dedos puderam conceber. Os pássaros do passeio público conversam a noite.

Ela amarrou então o cadarço dele tão segura e graciosamente, e tão sensualmente primorosa ao tocar-lhe as ancas do calcanhar que ele ofereceu-lhe o outro também.

Este também não está bem amarrado.

Ela manteve o sorriso menor que o diâmetro de um olho a outro.

Não fosse tão pequena a extensão das suas quase inexistentes nádegas, não teria sido um desperdício que tivessem sido tocadas, já que sua perna estava em cima da cadeira.

Pensou que seria um pouco pedante terminar o conto com “Vire-se e beije-me Luíse.” Seria muito filme americano. Com algum nome como “Sob a luz do luar”

Mas seria, sim pedante, certamente. Melhor, bem, se nada melhor temos a dizer, que seja somente algo bobo que desvende por fim um pequeno mistério de final clichê conhecido. Pra que se dar ao trabalho de esperar o desenvolvimento da trama? Arte moderna amigos. Não espera mais trem. Nem mesmo anda a pé. Viaja no ar através de ondas radioativas e esquentam o sol cada dia um pouco mais. Mas os filhos protegidos de Deus nunca andam a pé. Tem algo a ver também com a vez que acenou para o avião do portão a noite e este respondeu piscando as luzes.

Nós taurinos não sabemos a hora de calar a boca.
Sempre perdemos uma boa chance de ficar quietos.
Se eu fosse virginiano, o filme seria francês.

Luíse, me dê um beijo, agora.

sábado, janeiro 28, 2006

8

Eu te amo. .A primeira vez que disse isso foi por escrito. Numa cartinha encharcada de perfume que era da sua mãe. Começou pelos quadradinhos, depois você, a palavra era difícil de escrever.aaam - ooooo.
A carta passou de mãos em mãos pela classe, mas não foi aberta, o código de honra esquizofrênico da terceira série., Ele ouviu o desencralacar do papel, áspero como gelo, uma pista de patinação tentando ser seca. A nuca dela não mudou por uns 3, não sei, criança não tem muita noção de tempo. A professora que o levou ao banheiro foi sua segunda namorada.

Eu já falei antes sobre os carros. Sobre eles serem como máquinas do tempo, um cálculo que pode ser feito é que se mundialmente as pessoas em média dirigem a uma velocidade entre 40 e 60 quilômetros por hora, Digamos 50 quilômetros, para fins de cálculo. Então se percorreria cerca de 250 quilômetros por dia, o que aumentaria nosso tempo de “dia” produtivo para cerca de 8 horas, o resto do tempo estamos descansando ou tentando descansar ou produzindo. O resto dessas horas no coloca no domínio do Quase.

O Quase, o talvez, o meio termo, a encruzilhada, o no meio do caminho, o no enquanto isso. Então vivemos oito horas por dia. Concluí.
E a segunda coisa que notei sobre os carros:

Carros são demônios, animais pré históricos. Carcaças de metal que esperam na noite para destruir, para dominar. Seus rugidos são os dos mamutes com seus chifres de marfim, assustados, sendo conduzidos pelos verdadeiros caçadores. O ser escolhido de Deus. O Assassino.

E eles rugem, oh como rugem, eles preenchem os vácuos dos céus e o vazio entre os prédios com seu canto de ódio. Esperando, apenas esperando. Os covardes moradores em suas calças de moleton e pano fino branco, suas pernas brancas e seus joelhos roliços. Apenas ouvem e fingem que não sabem. Que não sabem sobre seus filhos e filhas. Apenas regam, conhecem bem suas plantas.

Na primeira página do meu caderno O Lulu (nome fictício inventado para proteger a integridade da vítima nessa história), era rolicinho, gordinho, parece Lingüiça mas não é, pêlo beginho, tipo cachorro maloqueiro e muito esperto. Manchas pelo corpo, metade mãe metade pai. Sempre indeciso. Quando ele quebrou uns dentes na briga com o Clóvis (meu outro cão) já era velhinho e papai achou que não serviria de nada que nós o levássemos no veterinário. Ele decidiu dois pontos travesssão amanhã de manhã largo ele lá no outro bairro, ele fica e morre por lá, daí não precisamos enterrar ponto final

E ele veio correndo com todas as forças, não entendeu o que aconteceu É pra eu correr? Beleza, vamo aí. Ei, vocês estão correndo bastante, está ficando difícil vocês vocês podem parar agora. Podem parar agora? Não consigo cheirar vocês estão muito longe, Mas ainda ouço o barulho, do caminhão. Não consigo mais correr...parem por favor...parem por favor...oh deus......oh deus....parem por favor........oh meu deus........oh meu deus do..... oh..........
Ei Vocês...................................Não podem........................voltar?


Faltava então somente oito dias para o encontro, portão 8, poltrona 18, a do amigo 17. poltronas 17/18 1+7+1+8= 17 1+7= 8, dia? 26. 2+6=8. Muita coincidência. Oito, o símbolo do infinito em pé. Engraçado. Mas foi nessa situação que ele a conheceu. Ana. Nome de 3 algarismos, o primeiro teste que fez com a revistinha da tia, de 1970, sem cor ainda, sem figura, dizia, número 3 seu número da sorte. A tríade. O encontro. O triângulo. O equilíbrio perfeito. De olhos abertos, fazendo tipo? Lembrou de uma revista pornô do tio. A cigana com uma chana extremamente peluda abrindo a saia. Ficou de pinto duro e acabou erguendo a revista. Estava tão confortável no avião, somente com seus pensamentos sujos debaixo de uma revista de futilidades. Estava quase dormindo e o tesão apareceu. Tão de surpresa, por causa do sol esquentando as pernas, que nem percebeu. Mas Ana sim.

Oito dias. Dentro do seu carro. De madrugada procura a rua. Sua cabeça zanza, A encruzilhada. Onde seus pais namoravam, sempre vidro quebrado, mas não foi ele dessa vez. Não suporta. Ainda de cinto enfia sua mão pela beirada da calça e abre o zíper. Retira seu membro, cospe na mão e esfrega. Com sofrimento. Seu cérebro em pedaços gira aflito, sente formigamento, parece tão duro, como gozo de criança, explosivo, sobre o volante, sobre sua calça. Ele acelera. A noite--------simplesmente-------------grita.

sábado, julho 23, 2005

COMO NA QUINTA SÉRIE

Então cheira aqui. Apontando a mão para cima de forma convexa na sua direção. Os indicador e o anelar protuberando.(os dedos que estariam cheirando caso eles tivessem realmente dispensado alguma coisa). O soldado Matias olhou para seus companheiros que nesse momento eram representados apenas por fachos de luz finos e potentes. Ele não podia ver a expressão deles.

Mas fazia apenas uma semana que tinha integrado a FERRO, A força especial das rodovias de Roraima, e era sua primeira saída noturna com seus novos companheiros. Há muito tempo ele era do tipo tronquinho e de falar pouco, e sua disciplina fez com que fosse promovido facilmente, mesmo sem ter terminado o primeiro grau, aqui estava, em outro estado, muito longe da sua mãe e de suas irmãs, ganhando um troco muito bom para sentar a mão em garotos fora de rota.

E hoje, havia se preparado tanto, saiu de casa sem se masturbar, vieram de furgão, segurando suas metralhadoras até a ruína de frente pro mar. ponto escuro que só a lua ilumina, pegar garotos romantizando a lua e ingerindo substâncias ilícitas, com esperanças que ainda essa noite viriam a transar com alguma dessas garotas que trouxeram pra cá, que conheceram por aí perguntando e aí quer fumar um? e que nem mesmo conseguem perceber o rosto nessa escuridão. Pegá-los no ápice dessa esperança, andando na ponta das duras botas, com as lanternas apagadas, pensando na frase chavão a la Chuck Norris que ia gritar quando apontasse a lanterna prà molecada.

Mas o pior é que os garotos não estavam fumando nada a não ser tabaco. Matias por ser novo no grupo achou que ele devia dar o prensão e se não levá-los em cana, pelo menos apavorá-los, mostrar quem manda, essas coisas. Chegou perto do garoto da ponta, com olhos calmos, olhando pro mar. Matias iluminou o rosto dele violentamente com a lanterna, como quem faz exame ginecológico nos olhos e falou em tom médio dispensaram né?

Claro que não, senhor, não fumamos nada, estamos só aqui, nós cinco, olhando o mar. Matias olhou pro mar, uns dez metros logo abaixo procurando por alguma luz ou fumaça e se sentiu estúpido; água, fogo, o álibi perfeito. Não é melhor admitir de uma vez? Segurou forte sua metralhadora, já sem argumentos preparava-se para ir embora, mas o garoto da ponta o chamou O senhor acha que a gente estava fumando alguma coisa? Então cheira meus dedos, ó.

Matias assustou-se com a idéia, um contato quase erótico de sentir o cheiro do corpo do garoto tão de perto em frente a seus amigos soldados. Porém, estava também avexado pela cena vista de longe pelos colegas, o garoto com a mão erguida em sua direção. Pensou que se fosse mesmo Chuck norris explodia a mão dele com a metralhadora e ia embora, ou melhor, acabava com todos os garotos, sem deixar testemunha e jogava todos no mar.

Matias aproximou-se. Uma cheirada, tem razão e vamos embora. Mas ao aproximar-se o garoto de pernas magrelas ENFIOU-LHE UM TAPÃO NA CARA. Meu Deus. Meu Deus. Será que ele não sabe o que isso significa? Dar um tapão na cara de um policial, NÃO, de um soldado da FERRO em frente a vários de seus companheiros, todos devidamente armados com metralhadoras, ansiedade e as piores intenções, com limites razoáveis colocados só para uma certa economia de ódio????

Matias inflou-se e além da marca vermelha de mão na cara avermelhou-se inteiro. Não podia ver seus companheiros, mas como na quinta série que não terminou, pensou que todos deviam olhá-lo com aquele olhar de o que você vai fazer agora. E ele devia rapidamente tomar uma atitude. E ele esperou que algum deles a tomasse por ele. O que não aconteceu. Imaginou no escuro os olhares espantados de seus colegas que ainda não o conheciam. E como não podia mesmo ver, imaginou que talvez alguns, talvez todos eles riam, ou pelos sorriam, achavam engraçado a situação. Como garotos de quinta série, cercavam-no gritando palavras de ódio, querendo que ele participasse da selva, erguesse seus punhos e defendesse sua honra, por mais simulado e toscos que conseguem ser os motivos nas nossas quintas séries. Eles queriam o sangue ou a vergonha. E a vida ensina que a vergonha nunca. Nunca é apagada. Assim como o medo.

Matias gaguejou. Tentou falar, ficou completamente sem graça. Como se entregue. Matias queria deitar no chão. Ele segurava as lágrimas e tinha vontade de pedir desculpas aos garotos. Só pobres garotos olhando o mar. Ele ergueu sua metralhadora, segurou o gatilho firmemente e apontou para a cabeça do garoto e as lágrimas vinham pela boca SEU FILHO DA PUTA DESGRAÇADO EU VOU ACABAR CO A TUA VIDA SEU
Mas ele não atirava. Será que poderia atirar? Será que se livraria dessa? Matar alguém desarmado a sangue frio, ainda mais um garoto. O que sua mãe lá nos baixos trópicos iria pensar? Mô fio Matiazinha, ave, eli não, eli não, sinhô. Eli num faria dessa. Mou fio entrô pa pulíça pajudá ozotro. Pájudá, sinhô. Elié du beim.

PORQUE VOCÊ FEZ ISSO? FALA ANTES QUE EU TE MATO.
Não vou dizer.
Matias inflou-se ainda mais. Mesmo com uma arma apontando ele ainda encontrava-se em posição inferior ao que o garoto reles apenas olhava o mar com costas arqueadas e pernas balançando ao vento, na beirada.

Então resolveram levar o garoto junto com eles. Matias pensou, chegando lá a galera acaba com ele. Livro a minha reputação com méritos. Não dá pra surrar ou matar em público. Levando com a gente, fica tudo certo, damos sumiço no corpo e fica tudo legal. Os colegas vão me dar respeito. Tem que ter sangue frio pra esperar passar a raiva e matar o cara na delegacia, e depois, ISSO, mijar na carcaça dele, hahaha.

O delegado olhou pro garoto. É de menor, o que ele fez? Os soldados ficaram quietos, esperavam que Matias explicasse a história, para não envergonhá-lo. Mas inútil. Matias avermelhou-se de novo e disse meio baixo ele me deu um tapa. Te deu um tapa??? Como assim??? Eu me abaixei pra, ele me deu um tapa, a gente trouxe ele. Deu um tapa??? Putz que pariu. Garoto, você pirou né? Diga pra mim que você pirou. Cê tá chapado pra caralho né filho? Você deu um tapa na cara de um soldado da FERRO?? Você sabe o que esses caras fazem pra se tornar soldado da FERRO? Passam por um treinamento dos mais puxados. Aprendem a comer cobra, insetos, isso tudo pra correr gelo nas veias desses caras. O que que você tomou? O coração desses caras é um freezer. Eles são os cavaleiros do apocalipse. Eles são erva daninha pura. Esses caras não tem família. Eles são feitos, manufaturados pra ser de forma controlada a violência, o enfrentamento, a coragem em pessoa.

E sabe que ninguém sentiria a falta de um garoto de merda que fica fumando maconha pelas rodovias?
Sentiriam sim. Meu pai.

Matias pensou nesse momento filho da puta, agora tudo faz sentido. Um filhinho de papai de merda, que acha que a grana dele, que o nome do pai dele vai fazer diferença nesse momento. Que acha que realmente o delegado não vai triturar a cara dele, hah, se não vai.

E quem é seu pai?
Chamou o delegado pra perto. Matias lembrou da cena do tapão.
Mas não. Sussurrou no ouvido do delegado alguma coisa.
O delegado olhou espantado para o garoto e então para Matias.
O que ele disse??
Ele falou que é o filho de Deus, o próximo que todos estão esperando.

Matias quase borrou as calças de ódio. Pensou filho da puta filho da puta filho da puta. O delegado colocou a mão no queixo. Matias e aí pessoal vamos acabar com esse filho da puta porque agora ele passou do limite mesmo, ele tá zoando feio com a nossa cara. Fi- lho- da- pu- ta. Apontando pra cara do garoto (sereno)

O Delegado falou então faz aí o que tu quiser Matias, foi contigo que ele zoou, é todo seu. E afastaram-se todos como nas rodinhas de quinta série. A última série que ele frequeentou. Matias desenhava e gostava de música. Mas depois da quinta série ele achou que devia ficar forte. Então Matias tornou-se uma rocha. Ele virou um dos garotos mais temidos do bairro e não tinha medo de ninguém. Ele transou duas vezes quando jovem. Duas loiras muitíssimo gostosas do seu bairro, que na verdade eram negras. Ele comeu elas com violência. Principalmente o cu. Muito. Ele enfiou-se como quem quer passar a agulha pelo buraco do fio e gozou, encheu as pobres garotas com toda a porra quente do mundo. Ele atirou pela primeira vez na perna de um merda que estava junto com vários outros merdas nos últimos bancos do ônibus com a cabeça pra fora gritando merdas de time. Atirou só de zoação e sabia que cresceria no emprego se fosse um merda fodão. Se obedecesse e fosse duro como aço. Sem arrependimentos. Seus colegas o cercaram e o garoto, tão menor magrelo, em frente a ele, risadinhas e sussurros. Seria tão fácil quebrá-lo ao meio. Só um garotinho pequeno que fez a coisa errada com o cara errado. A lei estava do seu lado, Por que Matias, como tantos outros era a lei. E a lei nunca perdoa. Isso é imutável. Medo e vergonha.
Matias olhou o garoto nos olhos, olhos serenos ainda, como podia ser? Não tinha medo esse garoto? O que dizer da vergonha? Matias tenso, completamente. Uma rocha. Ele apertou a mão. Esse era o momento. Ele devia destruir. Como comer cobra. Destruir. Mas então pensou em sua mãe, e suas irmãs, e como gostaria de voltar para seu bairro, e jogar bola, e desenhar, ser aquele garoto que mora ao lado e que espera pra se apaixonar. Pensou que queria uma família, uma esposa. Queria ter esperança. Ele podia voltar a estudar. Trabalhar em algo pequeno, perto de casa, juntando um dinheirinho e tendo seus amigos para um churrasco em finais de semana. Futebolinha e os seus garotos, tendo tanto sucesso, sendo importantes. Os pequeninos abraçando sua mãe que olharia para Matias com tanto orgulho. Porque ele tinha vencido. Apesar de tudo Matias tinha vencido. Ele era um cara comum. Mas Matias tinha vencido.

O delegado percebeu a pequena lágrima que aflorava em Matias e acertou o primeiro golpe. O garoto caiu ao chão e os outros policiais o chutaram. Matias ouviu a traquéia quebrar com o pisão que Gonçalves deu. O crânio afundou do lado esquerdo. Onde o chute de Sálvio pegou com a ponta da bota. As substâncias internas balançavam de um lado a outro tentando encontrar onde se alojar, mas não podiam porque o pequeno corpo era destruído em todas as direções e sacolejando por dentro só encontravam paz em sair e tornar-se parte do chão de concreto rugoso. Os soldados finalizaram a sinfonia atirando, numa formação em círculo, com suas metralhadoras ao centro, onde encontrava-se o corpo já quase inexistente, sem parar, cada um gastou pelo menos dois ou três cartuchosRATATATATATATATATATATATATATA
TATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATATA
O som ensurdecedor de doze metralhadoras ao mesmo tempo sem parar. Violentamente ao centro. Despedaçando, atirando em quase sangue puro. Destruindo todo e qualquer vestígio. Atiravam atiravam e riam, Deus, como riam. Matias manteve-se fora da roda apenas observando. Chorando copiosamente, porém sem mover um músculo, tomado pelo medo e pela vergonha. Os policiais continuaram a atirar por ainda muito tempo. Quando a fumaça subiu e a sala tornou-se semelhante a uma grande fornalha do inferno decidiram que já era hora de parar.

domingo, julho 03, 2005

ERRO CONTÍNUO DE PARALAXE

Parto do pressuposto físico, a história dos dois corpos, mesmo espaço, tangibilidade, sabe? Das coisas que existem e disputam espaço acredito ser uma das que menos compete com regular afinco e entusiasmo. Mas também tenho uma certa noção da virtualidade entre o que penso e o que são as coisas, se é que são em algum lugar. Nesse momento estou acordando, portanto me é completamente real e palpável que minha cabeça e a almofada sejam praticamente a mesma coisa. A luz entra por pequenas frestas horizontais que atingem o topo da parede e se movimentam quando os carros passam. Claro que não vejo nada disso. Meus olhos ainda estão fechados. Mas como insetos acasalando, os pensamentos que pacientemente mancomunavam durante a noite, mal contendo sua aflição, sobem impossível de serem freiados, como vômito. Tudo bem. As luzes e eu agora somos alguma coisa porque apresentamo-nos nessa manhã.

Dá pra sentir um cheiro bom. Não é o dela. É mais forte. Mesmo porque ela não está aqui agora. Mas é de praxe que ela deixe seu cheiro pra cuidar de mim. Algumas vezes acredito que nada tem a ver com amor, cuidado, essas coisas de filme, e tem a ver, sim, com dominação, como os cães fazem com todos os noventa graus que encontram. O cheiro parece comida, mas é só cebola frita. Também sou mais almoço que café. Ela tem um sorriso bonito.

Ela não me ama. Basicamente. Mas ela gosta de pensar que sim. Eu gosto de pensar que não. Porque é óbvio. Finjo que não percebo os quilômetros em seus olhos enquanto
conversamos.

Ela chega nesse momento. Sua calça de moleton. O nosso ritual matinal. Eu dechavo. Ela fuma um cigarro, sempre com o pulso quebrado pernas cruzadas e me olha com pálpebras rebaixadas. Como se estudasse os buracos em meu rosto e pêlos fora do lugar, mas ainda assim, como só ela consegue, apaixonadamente. E conversamos sobre naves e sons, coisas assim.

está na hora de irmos? Você nem se vestiu, vai se atrasar
não vou agora, ainda quero me masturbar
não dá tempo. Você tem que ir pra loja
essa porra de loja

Sou adepto da masturbação. A masturbação pra mim diferente do sexo deve ser preservada para um momento especial. O acúmulo de esperma no organismo pode causar alguns sintomas como irritação, ansiedade, mas sempre acreditei na longa relação entre dor e prazer. E por isso, secretamente torço o pé de forma estranha ao gozar, isso, claro, quando estou transando com outra pessoa. A masturbação pra mim é um momento muito específico de prazer egoísta, aqui imagino o que eu quiser, aqui fico o tempo que quiser, gozo no buraco que quiser de quem eu escolher.

Minhas escolhas, porém, limitam-se a imagens que eu tenha capturado, como um balançar de seios no ônibus ou uma atitude machona, como a do meu vizinho, separando uma briga de seus cachorros, no caso, dois pastores alemães. E sou um adepto também da prática de gozar dentro.

Nos beijamos na portaria do prédio bom dia você também. Poderia ter dito me ligue mais tarde, mas não, não sou mais assim. Hoje vou no cinema sozinho. Prefiro não saber que filme. Nem resenhas, prefiro surpresa.

A garota no ponto de ônibus parece modelo, porém suas roupas denunciam que ela não mora no Centro. É fácil sacar, é o seu segundo e ainda são nove da manhã. Mais uma que está sempre na obrigação de morrer. Uma daqueles que mesmo com o sinal fechado para os carros atravessa correndo como na igreja quando pedem perdão. Ela se veste como um genérico de atriz de novela e me olha sem parar. Por um momento penso se ela vai tirar sua vagina da bolsa quando deixa a mão escorregar maliciosamente para dentro. Mas o que sai é uma revista. Atrás minha foto numa propaganda qualquer de algum produto que nunca consumi, não somente por isso, mas que tem preço além do meu custo.

Ela folheia a revista e me olha ocasionalmente. Eu perco o interesse. Meu rosto acena para mim mesmo segurando uma garrafa de biotônico. Não consigo parar de pensar naquela canção que não terminei com meu violão de madrugada, e que já faz duas semanas, e desde então não consegui sentar pra terminar ela e acho que já esqueci um pouco o ritmo.

E falando em espaço, anoto no meu caderno pra não esquecer, como uma prece que pego pra olhar de minuto em minuto O ônibus é o espaço entre a vida real e a vida real. É quando não estou em casa e não estou no trabalho ou num lugar qualquer. É quando nada termina realmente, histórias incompletas. Uma quarta dimensão onde pensamos apenas e esperamos. E a foto que sumiu da identidade dela tem traços que já se apagaram, tantas as marcas de dedo sobre.

segunda-feira, abril 25, 2005

NICOLA

Ele não sabia por qual razão se sentia na obrigação de perguntar alguma coisa, mas língua solta, pouca bosta, sempre, eternamente paranóico deixou sair qualquer porcaria só pra avançar um passo em direção ao próximo segundo.
Nicola corria, mordia o próprio rabo, derrubou o colchão que estava encostado na parede, que por sua vez derrubou o livro do Almodóvar. Ele pulava de costas, corria pra cá, pra lá, incansável. Armário. Geladeira. Ele é pequeno. “Um filhote. E nunca saiu da kitnet.”
Ela trouxe então a xícara de café e ele esteve perto o bastante pra, enfim ver, a pele dela com clareza. Ele estava definitivamente apaixonado. Dentro dos olhos dela estava algo tão indefinível que ele nem acreditava que existisse. Dentro dos olhos dela habitava o inevitável.
O gato corria, pulava, se jogava, rasgava coisas. “Nunca o vi tão agitado” Nesse momento ela se senta ao lado dele na cadeira e olha. O tempo pára. Essa não é a cidade dele. Esse não é o mundo que ele conhece. Mas ao mesmo tempo é algo que o pertence. Sua mão pára. Um motorista de ônibus suspira cansado. Sua rota terminou. O gato aumenta a velocidade.
Ela e o carinha ficam um tempo se olhando até perceberem o que estão fazendo. Nessa noite eles não se beijam e não transam. Eles só dormem juntos. Como à moda antiga quando seus bisavós esperavam um ano sem se tocar.
À noite, enquanto ele dorme, Nicola aproxima-se como um tigre, e como um, agarra a garganta do rapazote. Que acorda, e se vê sendo estrangulado por um gato ainda filhote, que o fita, como um tigre de tantos metros que é dono de tudo que existe. O rapaz não consegue fazer com que o gato o largue e não consegue emitir nenhum som por ter suas cordas vocais sendo trituradas pela pressão. Sem ar, ele finalmente perde todas as forças e morre. O gato espera ainda um tempo, sem nenhuma gota de sangue e enfim larga. Aninha-se sobre as cobertas de sua dona e dorme.
Quando ela acorda sua alma gêmea está ao seu lado, morta.

quarta-feira, abril 13, 2005

GAROTOS DE ÓCULOS DE ARO GROSSO

Eram anos interessantes aqueles dos jogos de bocha e crianças marcadas pelas sombras das grades dos portões da minha casa.
-Mamãe, O shopping center é praticamente isolado do resto da cidade, não? Aqui dentro tem regras próprias como não fumar ou não filmar. Ninguém nunca viu alguém de dentro de um shopping sem ter estado lá dentro. É como uma caverna isolada do resto do mundo. Um lugar onde pessoas ricas passeiam. É como o Vaticano no meio de Roma não?

O cinzeiro em cima do Joyce e Houaiss fica do tamanho exato da banheira. Ajustadamente propício.
Hoje não rola nunca mais.

Longe daqui ele sentado no vaso aperta com os dedos do pé o tapete. Cospe. Uma veia saltatita no pescoço. Ele força, seu estômago de pedra calcária. Seu ânus se abre como um grito de animal e um enorme monstro negro salta à latrina. Ainda metade dentro. Força. Nada de cortar na metade. Dói. muito. Finalmente.
descansa intrépido. Vê pequenas luzes trafegarem como que papel manteiga. outro universo. Bem bonitinho. Momento terno.

Teve aquela época, em que ninguém era gay. Ele se deixava encoxar jogando futebol com pinha na saída. Sempre brigava com o mesmo moleque. E imaginava o pau mole e branquiça dele endurecendo entre seus dentes.

E então a maconha. Os grooves. Os samples. Os synth. Os delay e tunts-tunts.
O delegado o encarava com cara feia de bigode. Ele calmamente abaixa-lhe as calças e chupa-lhe engatinha encarecidamente. Logo libertará o rapazote. Posse de um fino nunca deixou ninguém na cadeia mais que uma noite. Tudo depende do bom gosto. Este rapaz é muito cheiroso.

sexta-feira, março 18, 2005

ERA GLACIAL

Campos eletromagnéticos e monóxido de carbono, os equinócios trocam de lugar. Gasolina aditivada, ultravioleta e raios-x. Frequências de hermetismo craniano. Volts. Watts. Átomos se dividindo incessantemente. Explosões. Protozoários intracelulares hermafroditas envolvidos em modelos de infecção. Enzima ativada, uma proteíno-quinase local que, por sua vez, causaria a fosforilação de múltiplas outras enzimas intracelulares. Parassimpático, androceu, ginoceu. Microprótons e azia. Olá. É duro acordar de um coma, não, Benjamin?
Hmm...realmente não quero falar sobre isso agora.

Ela trabalhava compenetrada. Eu entraria, juro, numa guerra pelo ângulo dos seios dela. Valia a pena morrer por seu ombro, sutiã, até o peso escorregando até o bico, tão secreto para mim quanto o gosto de açúcar que esperava encontrar no primeiro seio que chupei. Loira com cara de farsante. Nariguda como eu gosto. Busto de garrafa.

Antes do coma eu costumava passar a tarde na biblioteca pública. Via uma garota. Desenhava-a nua num segundo e entregava meus garranchos, cultivando algum tipo de esperança demente que um dia fosse receber sexo em troca de sinceridade. Mas isso mudou. A última que sorriu-me e aceitou uma cerveja ganhou um dedo de presente que cortei no bar em público pra provar que amava. Mas, não, não, isso tudo mudou. As garotas nunca entenderam a dimensão do meu desejo. Poucas provaram do rosto por debaixo da barba pesada e negra que carrego desde os treze. A maioria prostitutas.

Como podia uma moça dessa sair do serviço tão despercebida, andar pela rua sem que nenhuma banda toque metais em seu nome? Como poderia o ar escurecer?
Ela entra em seu carro e eu corto caminho pelo mercadinho carrego o desenho em minhas mãos. O carro pára no sinaleiro. O pivete tem no máximo sete anos, havainas, sujo até o pescoço larga o malabares na esquina e aproveita que ela está sozinha pra se aproximar. Ela começa a fechar o vidro e ele segura com a mão: Me dá um dinheiros tia.
Desculpa, não tenho.
Então me dá o relógio.
Não estou usando relógio, não tenho- ela mostra o pulso vazio.
Então me dá a bolsa.
Você não tá vendo que não tenho nada? Não estou com bolsa.
Então me dá um beijo.

quinta-feira, março 17, 2005

UM CÃO E SEU DONO

Esse conto vai em homenagem a meu amigo e escritor favorito Eder Saragiotto Rodrigues, e se você não conhece "um cão e seu dono" original, que foi escrita por ele, só posso ter pena de você.

Sei que a vida não é fácil pra ninguém, e eu nem estou reclamando, entende? Cada dia que acordo vejo o sol nascendo e agradeço por ter trabalho e por estar viva, sabe? Mas eu gostaria de ter os finais de semana livre. Sempre olhando através do vidro para parques que nem sei se existem realmente. Mas a vida é assim, não se pode fugir das responsabilidades. Eu sou professora de auto escola e cobro vinte dinheiros hora aula. Meu nome é Marlene e encaro minha foto de trinta anos atrás todos os dias, em cima do carro enquanto ensino. Não costumo me olhar no espelho.

Algo pior que minha idade provocaria-me taquicardia. Meu cão, Fébos, um grande lavrador misturado tornou-se meu companheiro e marido com o passar dos solitários e inseguros anos. Alimentei-o com as melhores carnes e dormia abraçada a ele todas as noites. Assim substituíra toda a vida que nunca poderia ter por uma vida alternativa de cuidados.
Porém Fébos atacou o cão da vizinha certa vez e ao tentar separá-los, grudou em meus braços.

Destroçando nervos e fazendo estrago. Gritei até que desmaiasse e ao acordar no hospital minha irmã retrucava a velha história do eu sempre avisei que.
Como vamos nos livrar desse cão, canil, matar, coisas assim. Eu a princípio cogitei alguma dessas possibilidades, mas logo percebi que me enganava. Fébos era meu destino. Minha única vida.

Voltamos à nossa vida normal e então meses depois Fébos, sem motivo aparente atacou-me enquanto eu dormia na sala os cinco minutos do almoço. Dessa vez atacou-me o rosto. Destruiu cada possibilidade de sorriso que eu guardara para ele.
No hospital dessa vez minha irmã decidira não me visitar. Ela não aguentaria olhar para o meu rosto, ver-me cega de um olho. Eu entendi o ponto dela. Ela tinha dito pra eu me livrar do cachorro. Passaram-se meses e eu pagara o preço pela minha teimosia.
E então voltando para casa, vendo meu cão abanar o rabo para mim o que eu poderia dizer, caso alguém perguntasse, é que um cão precisa de um dono.

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